PL da Anistia: carta do Pacto pela Democracia ao Senado Federal

· Notas Públicas

Diante dos recentes acontecimentos no Congresso Nacional e da tramitação inadequada Projeto de Lei nº 2.162/2023 — denominado por seus defensores de “PL da Dosimetria”, mas amplamente conhecido como PL da Anistia — o Pacto pela Democracia, coalizão apartidária e plural formada por organizações da sociedade civil dedicadas à defesa do Estado Democrático de Direito, apresenta esta manifestação pública ao Senado Federal. O objetivo central desta carta, endereçada ao Senado Federal, é alertar para os riscos políticos e institucionais representados pelo chamado “PL da Anistia”, reiterar a importância da transparência e do devido processo legislativo e solicitar que a Casa Legislativa cumpra seu papel histórico de proteção da Constituição e das instituições democráticas.

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Brasília, 11 de dezembro de 2025

Assunto: Manifestação do Pacto pela Democracia e parceiras sobre o PL 2.162/2023 (“PL da Anistia”).

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre,

Aos Senhores e Senhoras Senadores e Senadoras da República.

Nós, do Pacto pela Democracia, coalizão apartidária, ideologicamente plural e que reúne mais de duzentas organizações da sociedade civil comprometidas com a defesa do Estado Democrático de Direito e parceiras abaixo subscritas, vimos por meio desta manifestar nossa preocupação diante da aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 2.162/2023, denominado por seus defensores de “PL da Dosimetria”, mas amplamente conhecido como PL da Anistia.

Na madrugada do dia 10 de dezembro, o projeto foi votado em um contexto de grave restrição ao debate público. O relatório e sua justificativa foram apresentados durante a própria sessão, no curso de uma tramitação acelerada que reduziu drasticamente as condições de transparência e controle democrático. Parlamentares e sociedade civil foram submetidos a uma votação às cegas, sem acesso adequado aos detalhes técnicos e jurídicos de alterações significativas em legislações estruturantes, como o Código Penal Brasileiro e a Lei de Execução Penal.

O contexto político da véspera foi igualmente sui generis. No final da tarde de 9 de dezembro, o plenário da Câmara dos Deputados foi fechado de forma inédita, e a TV Câmara retirada do ar, após intervenção da polícia legislativa — fato que, além de comprometer a normalidade institucional, impôs forte restrição à atuação de jornalistas e ao acompanhamento público dos acontecimentos. O bloqueio do acesso da imprensa e a interrupção da transmissão oficial limitaram a visibilidade da atuação legislativa e o escrutínio democrático. Ainda assim, mesmo diante desse cenário de restrições e opacidade, prosseguiu-se à deliberação de um tema de altíssima relevância para a integridade democrática do país.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores,

Ao contrário do que alegam seus proponentes, o projeto não promove “pacificação nacional” nem oferece uma “virada de página”. Ele representa, isto sim, uma capitulação do Parlamento diante daqueles que atentaram contra a ordem constitucional no 8 de janeiro de 2023, fragilizando a coerência institucional e violando princípios constitucionais essenciais. Não é admissível que interesses particulares distorçam um debate de importância histórica, negociando até onde “aceitam” ser responsabilizados, como se a resposta institucional aos ataques golpistas fosse matéria de barganha política.

A verdadeira pacificação se constrói por meio da responsabilização plena, e não da anistia improvisada. A aprovação do projeto na Câmara reedita o padrão histórico brasileiro de tolerância com rupturas democráticas — padrão que alimenta crises sucessivas, bloqueia o amadurecimento institucional e consolida a mensagem de que ameaçar a democracia “compensa”.

O Brasil vive hoje, pela primeira vez, um processo robusto de responsabilização das tentativas de desestabilização democrática, incluindo os seus mentores intelectuais. Esse esforço tem sido reconhecido internacionalmente como referência de resistência ao avanço autocrático. Interromper esse caminho significa abrir mão de romper com décadas de impunidade, enfraquecer políticas de memória e verdade e comprometer a construção de uma democracia mais forte. Todos perderemos.

Diante da chegada do projeto ao Senado Federal, confiamos na responsabilidade histórica desta Casa. É no Senado que o Parlamento pode rejeitar a capitulação, proteger a Constituição e reafirmar que o Estado Democrático de Direito não se curva à conveniência.

O momento exige coragem para sustentar a democracia que queremos ser, democracia esta:

  • Transparente, do ponto de vista do respeito aos ritos e processos regimentais: Uma democracia sólida se constrói com previsibilidade, publicidade e fidelidade às normas que regem o processo legislativo. O Senado tem a oportunidade de restabelecer o padrão de transparência que foi comprometido na Câmara: garantir tempo razoável para análise das proposições, assegurar acesso público a documentos, permitir debate qualificado, escuta de especialistas e movimentos sociais e respeitar os ritos regimentais que protegem a legitimidade das decisões tomadas. A transparência não é um detalhe procedimental mas condição para que a sociedade confie em suas instituições e para que o Parlamento exerça plenamente sua autoridade constitucional.
  • Comprometida com o equilíbrio entre os Poderes: O ataque de 8 de janeiro de 2023 foi dirigido contra a própria arquitetura institucional da República. Proteger o país de novos episódios exige que o Parlamento reafirme seu compromisso com o sistema de freios e contrapesos, repelindo iniciativas que, sob o argumento da “pacificação”, enfraqueçam a integridade do sistema constitucional. Cabe ao Senado resguardar a independência e a harmonia entre os Poderes, preservando a autoridade do Judiciário nas ações de responsabilização, a atuação do Ministério Público e a própria missão legislativa de zelar pelo interesse público, e não por interesses circunstanciais de grupos envolvidos nos ataques à democracia.
  • Orientada pela responsabilização e firmada nos pilares da memória, da verdade e da justiça: Nenhuma democracia se consolida apagando seus traumas ou relativizando aqueles que atentaram contra sua ordem constitucional. A responsabilização não é vingança; é garantia de não repetição, elemento essencial das políticas de memória e verdade e pedra angular da justiça democrática. O Senado tem a responsabilidade de impedir que o país volte ao ciclo histórico de impunidade que tende a fragilizar nossas instituições. Tal medida resguarda o futuro e assegura que episódios golpistas não se normalizem.

Assinam esta carta,

Agência Ambiental Pick-upau

Aláfia Lab

Aliança Brazil Office

Aliança Nacional LGBTI+

Associação de Jovens Engajamundo

Cátedra Sustentabilidade - Unifesp

Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis - Grupo Ação, Justiça e Paz

Centro Santo Dias de Direitos Humanos

Clima de Política

Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia

Coalizão pela Socioeducação

Delibera Brasil

Escola da Democracia

Elas no Poder

FADDH - Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos

Fundação Tide Setubal

Geledés - Instituto da Mulher Negra

Grupo Tortura Nunca Mais-RJ

INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos

Instituto de Defensores de Direitos Humanos - DDH

Instituto de Defesa do Direito de Defesa - IDDD

Instituto Democracia e Sustentabilidade - IDS Brasil

Instituto Democracia em Xeque

Instituto Ethos

Instituto Foz

Instituto Lamparina

Instituto Marielle Franco

Instituto Não Aceito Corrupção - INAC

Instituto Physis - Cultura & Ambiente

Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC)

Instituto Update

Instituto Vladimir Herzog

Kurytiba Metrópole

Nossas

O Joio e o Trigo

Oxfam Brasil

PNBE - Pensamento Nacional das Bases Empresariais

Plataforma JUSTA

Rede Conhecimento Social

Rede Justiça Criminal

Sleeping Giants Brasil

Teia de Criadores

Transparência Eleitoral - Brasil